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ARTIGO: Princípios de interpretação de contratos

Jurídica

Publicado em 22/03/2017

Diretor Jurídico da CIC, Maurício Salomoni Gravina apresenta noções de interpretação de contratos - Foto: Julio Soares/Objetiva
Diretor Jurídico da CIC, Maurício Salomoni Gravina apresenta noções de interpretação de contratos - Foto: Julio Soares/Objetiva

                                                                                                                      Maurício Salomoni Gravina
                                                                              Sócio da Gravina Advogados e diretor Jurídico da CIC

Contratos são negócios jurídicos. São atos pelos quais as pessoas regulam seus interesses ou relações. Nascem da liberdade de contratar, derivação da livre iniciativa, liberdade pública de reconhecido valor e consistência histórica.

Desde os círculos dos filósofos à ascensão nas modernas constituições, exortou-se o respeito à dignidade da pessoa, à propriedade e ao trabalho, valores que se acentuaram a partir do século XVIII na Europa ocidental, com o propósito de limitar o poder soberano, a exemplo da célebre investida de John Locke contra o absolutismo, em que exaltou os direitos da pessoa e da propriedade com peculiar brilhantismo: “cada homem tem uma propriedade em sua própria pessoa; a esta ninguém tem qualquer direito senão ele mesmo. O trabalho do seu corpo e a obra das suas mãos pode dizer-se são propriamente dele” [1].

Nesse contexto da livre iniciativa, da vontade das partes e de manifestações cujos efeitos são reconhecidos pelo Direito, o contrato é uma das principais fontes dos negócios jurídicos.Para orientar sua interpretação vale sintetizar algumas regras de direcionamento, extraídas a partir do Código Civil do Brasil, França, Espanha, Itália, Portugal entre outras nações de semelhante matriz jurídica.

A interpretação dos contratos atua em dois planos: o do «sentido das palavras» e o da «intenção das partes». Se a compreensão pelas palavras é precisa, cumpre limitar-se ao sentido delas, desde que não contrarie os bons costumes e a ordem pública, limitadores clássicos da autonomia privada.

Havendo termos suscetíveis de dois ou mais sentidos, deve-se entender no sentido mais conveniente à matéria do negócio, e que possa produzir algum efeito. Se não é fluente a compreensão pelas palavras, supre-se a obscuridade por associações que permitam identificar a vontade e os limites do consenso contratual, com primazia da vontade sobre o escrito.

Para reconstituir a vontade contratual leva-se em conta a formação do negócio e sua execução. Recorre-se às comunicações e ao comportamento das partes, antes, durante e após a conclusão do contrato, considerando cartas, fax, e-mails, entrega de mercadoria, serviços, entre outros atos ou documentos que igualmente constituem meios de prova.

Nos «contratos consensuais», que não exigem forma escrita, toda comunicação a ele direcionada pode gerar obrigações. Nos «negócios formais», cuja lei requer instrumento escrito, este é condição de validade e seus anexos e rescisão seguem a mesma lógica da documentação escrita.

No plano do sentido das palavras, busca-se compreender o conteúdo das disposições pela combinação de cláusulas, impressos e suplementos, de forma que uns complementem os outros, atribuindo às expressões duvidosas o sentido resultante do conjunto de todos estes elementos.

Havendo expressões de sentido genérico, leva-se em conta o tipo e objeto do contrato (compra e venda, locação, seguro, transporte, mútuo, etc.), pois a substância do negócio é determinante para sua interpretação e definição da lei aplicável. Além disso, qualquer que seja a generalidade de seus termos, não deverá compreender-se coisa distinta daquelas a que as partes se propuseram contratar.

Quanto ao silêncio, também é considerado manifestação de vontade em diferentes ordenamentos jurídicos. O silêncio nos negócios é aquele que tem valor de uma linguagem muda, espécie de declaração calada, cotejada caso a caso, conforme o Direito aplicável. A priori, não é reconhecido nos contratos internacionais.

Nos negócios gratuitos, a exemplo das doações e cessões de direitos, havendo dúvida sobre o sentido das declarações, deve prevalecer o menos gravoso e em favor da menor transmissão de direitos. Nos negócios onerosos, a dúvida deve ser resolvida em favor da maior reciprocidade nas obrigações das partes.

Outro contexto de interpretação está na ponderação da boa-fé, relevante princípio jurídico que faz preponderar o verdadeiro sobre o falso, o equitativo sobre o desproporcional. Trata-se de um princípio que visa conferir lealdade e moralidade aos negócios e ao Direito. Atua como espécie de crivo ético, que traz à tona a ideia naturalista de que a ordem jurídica não é referencial de si mesma. Que sua estrutura está vinculada à justiça e à verdade, segundo John Rawls[2] “a primeira virtude” dos sistemas de pensamento.

Sabe-se que a boa-fé atua sobre o sistema de nulidades dos negócios jurídicos, relevante ao direito das obrigações como um todo, com destaque na proteção da vulnerabilidade, nas relações de consumo, nos negócios processuais, nos contratos à distância ou contratos por condições gerais, entre outros.

Outra fórmula conhecida, desde o Código de Napoleão, diz que a cláusula obscura inserida por um dos contratantes não deve favorecer a quem ocasionou a obscuridade. É a chamada interpretação contra o predisponente, prevista nas leis do Direito moderno e na orientação dos tribunais.

De modo sucinto, em rápida passagem sobre a liberdade de contratar e sua compreensão, sem a pretensão de abranger o extenso estudo da teoria geral dos contratos, destacam-se estes importantes valores de interpretação nos negócios jurídicos, indutores de desenvolvimento e da confiança na atuação do Direito, em especial na capacidade de autorregulação conferida aos particulares. 



[1] Cf. John Locke, no Segundo Tratado Sobre o Governo, Tradução Anoar Aiex e E. Jacy Monteiro. 3ª Ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 45.
[2] Veja-se: RAWLS, John. Uma teoria sobre a justiça. Trad. Almiro Pisetta e Leinta M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1977, p.3.

Fonte: Maurício Salomoni Gravina - Sócio da Gravina Advogados e diretor Jurídico da CIC